Mercúrio, um deus traquinas, amoral e ambivalente
HERMES MERCÚRIO
Mercúrio é o deus das travessuras e traquinagens, um deus escorregadio, amoral e geralmente difícil de ser completamente absorvido pela compreensão humana, porque ele é elusivo, tal qual o metal a quem empresta o nome, você não consegue segurá-lo diretamente, porque ele escapará das mãos. Apenas se abrir a mão, ele ficará no centro da sua palma, tranquilamente – isso é uma metáfora para o próprio deus, que é puro movimento, que odeia sentir-se preso; é metáfora também para a própria mente, que está sempre a nos enganar e iludir e quando achamos que a dominamos, lá escorregamos novamente… Sem falar que mercúrio, o metal, é extremamente tóxico se for inadequadamente manuseado – mais um lembrete de que sempre devemos nos aproximar de Mercúrio com cautela e reverência – ele é brincalhão sim, mas ainda é um deus, e como tal, pode nos aprontar poucas e boas se se sentir ofendido. Espero ser digna de retratá-lo a contento.
Em Astrologia Mercúrio rege a mente e os processos mentais como o pensamento e o raciocínio; rege também as comunicações de todo tipo, as conexões, intercâmbios, cartas, correios, mensagens e mensageiros diversos; a linguagem e as línguas, a fala, a escrita, o estudo, a cognição; rege as viagens curtas, as rodovias, ferrovias, veículos de locomoção em geral, encruzilhadas, que simbolizam o ponto de encontro de destinos e rotas diversas; rege os os irmãos e o relacionamento com estes; Mercúrio rege também o comércio e as trocas de todo o tipo, por isso é o padroeiro dos vendedores; rege ainda os ladrões e malandros de plantão, porque ele mesmo é um deus malandro e traquinas, que adora pregar peças nos desavisados, como também nos muito atentos.
Mercúrio tem um tal escopo de atuação porque era um deus extremamente inteligente e perspicaz. Sua rapidez de pensamento não se equiparava a ninguém. Era extremamente astucioso e sagaz. Mas para entender melhor Mercúrio, precisamos voltar à sua mitologia, que transcrevo de forma livre do livro de Sue Tompkins(1), The Astrologer’s Handbook.
Os romanos o chamavam de Mercúrio e os gregos de Hermes. Na versão grega Hermes nasceu de um dos inúmeros romances de Zeus (Júpiter), neste caso com a Ninfa Maia. Mal acabou de nascer, ele saiu do berço, e, ainda nas fraldas, roubou o gado de seu irmão Apolo, indicando desde cedo sua propensão a aprontar traquinagens simplesmente para afastar o tédio. Para evitar ser descoberto, ele amarrou aos cascos dos animais enormes sandálias de trás para frente, o que fazia parecer que o gado andava no sentido contrário ao que de fato ia, ou de marcha-a-ré. Nos próprios pés ele amarrou ramos de murta para disfarçar os próprios rastros. Nessa brincadeira, Hermes roubou 50 cabeças do gado de Apolo e dos 50 animais ele pegou os dois mais gordos, e, produzindo fogo com dois gravetos de forma genial, ele os cozinhou e dividiu entre os 12 deuses do Olimpo. O resto do gado ele escondeu. Pelo pôr do sol ele voltou ao próprio berço, todo inocente. Apollo, que regia as artes divinatórias, logo descobriu a situação toda e obviamente não ficou nada satisfeito, assim, ele pegou Hermes no colo e o levou diante de seu pai Zeus exigindo punição para ele. Hermes negou e negou com a cara mais santa e inocente do mundo, mas no fim teve que confessar o roubo e usar toda a sua lábia e eloqüência para se safar da situação difícil em que tinha se metido. Porém, ele foi tão habilidoso na sua auto-defesa que Zeus, ao invés de ficar zangado divertiu-se enormemente com a estória toda e com a engenhosidade do filho. No fim ele o castigou, mas atribuiu-lhe também várias tarefas. Um acordo foi feito depois que Apollo o viu cantando e tocando a lira – instrumento musical que ele tinha criado a partir do casco de uma tartaruga, – que ele matou ao sair da caverna em que nascera – e como Apollo era o deus da música, ficou instantaneamente fascinado pelo instrumento e uma troca foi feita, com Apollo inclusive ajudando o irmão a achar seu devido lugar e atribuição no Olimpo. A atuação e interferência de Hermes foram decisivas na resolução de situações complicadas que exigiam negociação em muitos dos mitos gregos, como no rapto de Pérsefone por Hades. (Se você quiser conhecer as versões completas do mito, grego e romano, veja aqui)
Qualidades e atribuições
O mito de Mercúrio destaca muitas das suas qualidades: duplicidade e ambivalência, capacidade para o engodo e o engano, a traquinagem, a engenhosidade, a lábia e eloqüência que levam a grande capacidade de negociação, a habilidade em atribuir recursos a objetos banais, a agilidade de locomoção e também a facilidade de se entediar e se chatear com o conhecido. Outra característica que aparece claramente no mito e na atuação de Mercúrio é a amoralidade, a ausência de censura e julgamento sobre o que quer que seja.
Todas essas qualidades renderam a Hermes-Mercúrio algumas das atribuições dadas por Zeus. Uma das mais importantes era a de mensageiro dos deuses, e ele era o único deus que podia transitar livremente na terra, no Olimpo e até mesmo no Hades, domínios do poderoso Hades-Plutão e nesses reinos, comunicava-se igualmente com deuses, semi-deuses e mortais. Zeus decretou ainda que Hermes-Mercúrio assistisse às Moiras na criação do alfabeto, daí sua ligação com a linguagem e a fala. Entre outras de suas atribuições estavam a proteção de viajantes e das estradas e encruzilhadas, onde aliás eram-lhe feitas oferendas, já que ele não tinha templos atribuídos a si, simbolizando que podia ser encontrado em todo lugar.
Deus das viagens e estradas – Para se locomover com agilidade e presteza, Mercúrio usava sapatos ou sandálias aladas que lhe permitiam fluir com o vento, um chapéu de invisibilidade que lhe permitia entrar e sair dos lugares sem ser notado, um espécie de bolsa onde guardava os lucros de suas negociações e o caduceu, um bastão no qual duas serpentes se entrelaçam, que era símbolo da sabedoria, mas que também tinha poder narcotizante. O caduceu representava o poder mágico de Mercúrio e seu domínio das ervas, por isso o caduceu é o símbolo da medicina.
Outras Associações – Hermes-Trimegistro, ou “Hermes-três-vezes-grande” é outra associação importante de Mercúrio. Tido como um sábio egípcio, atribui-se a ele a criação da Astrologia, da Alquimia e de todas as Ciências Ocultas. Também por esta ligação, Mercúrio é ainda o patrono da Alquimia e seu metal reflete bem as qualidades do deus: escorregadio, impossível de ser agarrado de forma direta.
Como a mitologia geralmente reflete o conjunto de crenças e a cosmovisão de um povo, e como há arquétipos universais, independentes de cultura ou religião, a figura simbolizada pelo Mercúrio romano aparece em muitas outras mitologias sob outros nomes, mas com atribuições e características parecidas. É o caso da mitologia dos Orixás, onde Mercúrio é Exu.
Como lembra bem Sue Tompkins, no mapa natal Mercúrio simboliza a forma como nossa mente funciona. O posicionamento por signo e casa, assim como os aspectos, dirão sobre o que pensamos e falamos, como pensamos, a forma como nos comunicamos, a forma como aprendemos, etc. Por exemplo, a voz é baixa ou alta? Falamos rápido ou vagarosamente? Aprendemos melhor sozinhos ou em grupo? Somos pensadores sérios e profundos ou leves e mais superficiais? Temos facilidade ou dificuldade para aprender línguas? Lemos por prazer ou por obrigação? Se juntarmos ainda a terceira casa, regida por Mercúrio, podemos saber ainda como foi a educação fundamental, como se dão nossas viagens, como é nossa relação com irmãos e como é o ambiente imediato em que vivemos, entre outras coisas.
Mercúrio rege as comunicações também em Astrologia Mundana, assim como “os sistemas nervosos e intelectuais das sociedades e todos as suas manifestações através da educação, escolas, da literatura, comunicação postal, tendências de movimentos intelectuais, escolas, mercados e transportes”( 2)
Em Astrologia Médica, Mercúrio tem regência sobre o sistema nervoso central, uma vez que é o sistema nervoso que leva informações do cérebro para todo o organismo. Sua regência, que se dá também através do signo de Gêmeos, inclui ainda os pulmões e a respiração, além de mãos, e de forma mais indireta, também os membros que nos levam onde queremos ir: as pernas e pés, apesar de estes estarem sob regência mais direta de Aquário e Peixes.
Mercúrio como significador de profissões
Muitas profissões são associadas com Hermes-Mercúrio. Mercúrio, Gêmeos e a terceira são encontrados proeminentes nos mapas de vendedores de todo tipo, desde o ambulante de rua, até o corretor da bolsa de valores, assim como pessoas que trabalham ou têm papel importante no comércio; nos mapas de negociadores e diplomatas em geral; de todas as pessoas que lidam com o público ou que funcionam como ponte e como intermediários entre A e B; nos mapas de profissionais de sistemas de comunicação, como jornalistas, comunicadores, palestrantes, escritores, carteiros, mensageiros, etc; nos mapas de acadêmicos; pela capacidade de locomoção, aparece fortemente em mapas de motoristas em geral, especialmente motoristas de ônibus e de táxis por sua habilidade em ser ponte; também está enfatizado nos mapas de profissionais do Direito; e claro, como Mercúrio é um deus dual e ambíguo, além de completamente amoral, também é ponto focal em mapas de ladrões, malandros e espertalhões em geral, especialmente aqueles que têm grande habilidade com as mãos.
Por tudo isso e muito mais, percebemos que apesar de ser o segundo menor planeta do sistema solar, sua importância é imensa e não deve ser subestimada, como é muito comum quando se começa a estudar Astrologia. Aliás, por sua ligação com a alquimia e com os ensinamentos ocultos, sua regência sobre a Astrologia é muito anterior à regência de Urano, que é considerado a oitava maior de Mercúrio.
Última edição: Maio – 2017
(1) Sue Tompkings – The Astrologer’s handbook
(2) Campion, Baigent and Hervey – Mundane Astrology
MUITO OBRIGADO POR TUDO !
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Boa noite!
Gostei muito de sua pesquisa sobre o deus romano Mercurio e gostaria muito de publicar no meu site, pois sou de família italiana e meu sobrenome é Mercuri, que vem de Mercurio. Se não for problema preciso de sua autorização para postar parte de sua pesquisa e obviamente citar seu nome como fonte, pelo qual ficarei agradecido.
Olá Rômulo!
Obrigada pela visita ao blog e pelas palavras gentis. Sim, pode utilizar o post, é só colocar os créditos. Obrigada por perguntar e pedir autorização.
Fiquei curiosa sobre seu site, mande o endereço para eu visitar também 🙂
Grande abraço
Eunice
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