Lua Cheia em Virgem – Como sua Espiritualidade se Manifesta no Cotidiano?
A Lua cheia de hoje acontece a 26°01’ de Virgem com o Sol a 26°01’ de Peixes (16 de março, 14:08, horário de Brasília). Temos um olhar pouco mais desapegado em relação aos temas realçados nas últimas semanas, visto que Mercúrio, o regente da auto-suficiente Lua em Virgem, está no super cerebral e desapegado signo de Aquário. Esta Lua Cheia ocorre com poucos aspectos para outros planetas, o que enfatiza a polaridade Virgem-Peixes. A Lua faz apenas um sextil amplo com Saturno em Escorpião e um outro aspecto menor com Vênus em Aquário. Já o Sol também contacta Saturno num trígono separativo. O aspecto mais próximo de Sol e Lua é feito por Marte Rx* em Libra, que está inconjunto (quincôncio) ao Sol e em semi-sextil com a Lua, em orbe de apenas 5 minutos.
Nunca é demais lembrar, a Lua Cheia marca o ápice do ciclo da lunação iniciada com a Lua Nova. A polaridade dos signos em questão é enfatizada, sugerindo a necessidade de equilíbrio nas qualidades representadas por estes signos, assim como a sensação de divisão e separação. A Lua hoje reflete a luz do Sol sobre as qualidades Virginianas. É como um chamamento para não esquecermos que o labor, a discriminação e a contenção de Virgem são essenciais para a manifestação do sonho e da imaginação piscianos.
Na Lua Cheia em Peixes de setembro de 2013 eu falava do que chamo de “síndrome de Marta e Maria” e lembrava da necessidade de, assim como Maria na passagem dos evangelhos, darmos mais atenção à dimensão sagrada e espiritual da vida. Hoje é o contrário. A Lua em Virgem vem lembrar que não há espiritualidade verdadeira que não tenha efeitos na vida diária e no serviço ao outro. Um dos dilemas que confunde muitas pessoas hoje em dia é exatamente a separação que parece haver entre discurso e prática na vida de pessoas aparentemente muito religiosas. Qualquer que seja sua religião, elas parecem ser muito devotadas ao seu Deus enquanto estão no templo, oram orações inflamadas e até mesmo pregam nas ruas para transeuntes “infiéis”. Mas sua vida diária parece algo totalmente distinto daquilo que oram, agindo de forma discriminatória em sua comunidade, carecendo de compaixão em relação a outros que não sejam irmãos de credo, e às vezes, até burlando a ética na vida civil e social. É claro que estou fazendo aqui uma generalização grosseira e nem toda pessoa religiosa é um fariseu hipócrita. O que quero dizer é que faz-se cada vez mais necessário ter essa noção clara de que uma prática religiosa que não nos inspira a nos tornarmos pessoas melhores na nossa vida diária e ordinária carece muito de sentido. A espiritualidade verdadeira exige o compromisso de sermos mais honestos e íntegros nos nossos negócios mundanos assim como na nossa intimidade pessoal; a termos mais compaixão pelo próximo, ao contrário do ethos capitalista imperante que nos dita que é cada um por si e Deus por todos; a nos colocarmos a serviço do outro e do bem comum, se não de forma permanente, mas pelo menos na forma de voluntariado, seja semanal ou mensal – às vezes é mais fácil aliviar nossa consciência dando trocados a um pedinte na rua do que nos comprometermos de alguma forma para que não haja pedintes de forma alguma (sim, estou falando da utopia que move os muito idealistas).
Embora eu nunca tenha tentado, imagino que seja mais fácil tornar-se um monge eremita que isola-se na montanha e por lá se santifica do que viver a santidade na labuta do dia-a-dia mundano. Lá na montanha não há o inferno que são os outros; lá não há as tentações das facilidades “seculares”; lá talvez eu esteja protegido de lidar e refletir sobre a crueldade humana… As pessoas que já participaram de retiros espirituais ou terapêuticos de vários dias ou semanas sabem como é difícil voltar para a realidade da vida comum. Especialmente quando tivemos algum tipo de insight luminoso ou experiência numinosa. Assim como Pedro na passagem da transfiguração de Jesus, gostaríamos de poder dizer: “Mestre, é tão bom estarmos aqui! Vamos levantar três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (1). Sim, que bom seria se pudéssemos armar tendas e permanecer lá na iluminação indefinidamente. Mas enquanto somos mortais em busca de melhoramento espiritual ainda não podemos. O desafio maior é exatamente vivenciar o insight e a experiência numinosa na luz clara da realidade diária e cotidiana. Colocarmo-nos a serviço do outro, da comunidade e da vida em geral, no nosso trabalho e no estresse e correria do dia a dia. Verificar se nossa compaixão pelos outros resiste à competitividade brutal da selva de pedras, ao empurra-empurra da fila do ônibus, às ofensas mútuas das discussões políticas… Buscar ser cada vez mais gentil com aqueles com quem convivemos, com o filho que não se compreende, com os pais que impõem limites, com os velhos que se tornaram dependentes de nós, com o amigo que parece indiferente… E lembrar que por dentro, todos estamos buscando o mesmo, ser mais felizes e melhores, embora nem sempre isso seja evidente à primeira vista. Howard Sasportas, falando da sexta casa, a casa natural de Virgem, cita uma estória zen que ilustra isso de forma bem clara:
Disse um monge a Joshu: “Acabo de chegar ao mosteiro. Por favor ensine-me.” Joshu perguntou: ” você comeu seu mingau de arroz?” O monge respondeu: “Sim, comi.” Joshu disse então: “É melhor lavar sua vasilha.” (2)
Em resumo, religiosidade que ignora as obrigações da realidade e não se manifesta de forma concreta na vida diária é oca e sem sentido, só alimenta o ego inflado do crente que se imagina melhor dos que os demais “infiéis” pecadores.
No mundo polarizado em que vivemos hoje, onde o inimigo é a pessoa do outro partido político, da outra etnia ou raça, da outra classe social, da outra nacionalidade, da outra religião, etc, é essencial lembrar que primariamente somos todos humanos e embora não saibamos direito porque fomos mandados para esta Terra, precisamos aprender a conviver uns com os outros, e, para além das diferenças de credo, raça, religião ou quaisquer outras, precisamos ver que somos todos feitos da mesma matéria: carne que pode ser ferida, sangue que pode ser derramado, coração que pode ser machucado. Viemos da mesma origem e para lá vamos voltar. E quando temos maturidade emocional suficiente para nos percebermos como entidades separadas e autônomas (Virgem) é quando, paradoxalmente, percebemos que a despeito do que nos diferencia e nos faz únicos, somos todos um (Peixes), em que cada partícula é essencial para a tessitura do Todo, e por isso mesmo deve ser valorizada pelos detalhes que a fazem ser diferenciada nesse Todo e ao mesmo tempo inextricavelmente unida a ele.
Saturno em Escorpião vem nos lembrar que é preciso haver honestidade e comprometimento na devoção. Mas é Marte Rx em Libra que vem dar o recado mais contundente: é preciso haver humildade e submissão ao Divino. É preciso ficar atento à sua voz e presença em nós e em tudo à nossa volta (Peixes), assim como submeter-se a ele quando pedir-nos que nos coloquemos a serviço de forma prática no cotidiano (Virgem). Por isso, sugeriria que cada um de nós pensasse numa maneira de se colocar a serviço do bem comum na sua vida cotidiana; como poderíamos fazer diferença com uma ação pequena, simples e anônima, mas que refletisse nossa devoção e comprometimento em viver uma espiritualidade mais verdadeira , que fosse mais atuante e transformadora no mundo à nossa volta. Nem precisa pensar em largar tudo e virar voluntário na África – há formas mais simples e práticas de transformar o mundo começando dentro da própria casa ou da própria comunidade, como já disseram muitos sábios pelos séculos afora.
Especialmente, essa Lua Cheia em Virgem, humilde, nos lembra da necessidade de humildade e inteireza nos próximos meses. De termos sempre em perspectiva o todo ao invés de somente nossos interesses individuais; de que talvez tenhamos que sacrificar nossa vontade pessoal e nos submeter a uma vontade maior. Vem trazer um senso de ordem no meio do caos e propiciar um retiro necessário para repensar a validade e o valor de nossos rituais diários, religiosos ou não. Ela nos lembra também que espiritualidade genuína e atuante é primordial para nos dar norte e chão nas horas mais difíceis. Por isso, convido você a pensar maneiras de manifestar sua espiritualidade de forma prática no dia-a-dia, a traduzir a religiosidade e a devoção na forma de serviço ao bem comum, mesmo que sejam ações pequenas e sutis.
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* Rx – abreviação de Retrógrado
(1) Evangelho de Mateus, 17, 1-8
(2) Howard Sasportas, As Doze Casas
Veja post da Lua Cheia em Virgem de 2013
“No budismo, Hare krishna e na Kabbalah, a noite de hoje também é considerada especial, em geral tida como uma janela de fácil acesso para nos conectar com os desejos mais sinceros da alma. E por isso ótima para meditações. A lua nasce hoje a partir das 18h16. E você tem até às 05h55 para se conectar com a sua possível verdade interior com a ajuda dessa noite, que apregoa também o desapego e a renovação. Não custa olhar para cima, nem que seja apenas para reconhecer a beleza do luar.” (Harley Alvez)