Mãe: padecer no paraíso?
Vênus está em Câncer neste dia das mães (10/05/2015), parecendo favorecer a celebração desta data tão importante para a cultura ocidental. Como eu dizia no post sobre Vênus em Câncer, este é um posicionamento que nos remete não só à figura da Mãe, mas também à da parteira, aquela que ajuda a trazer vida nova ao mundo, aquela que media a vida, que tem um pé no outro mundo, já que vai lá agarrar a criança do “outro lado” da fronteira, na dimensão da pré-vida, para trazê-la para o mundo da encarnação e da matéria, sejam estas crianças de carne e osso ou feitas de qualquer outro material que não a carne humana.
Neste artigo uma leitora comentou algo que achei muito pertinente e que trago aqui: “Não tenho duvidas que para canalizar positivamente esta posição (Vênus em Câncer) é preciso muito labor quanto à construção da sua própria identidade. Assim temos um reposicionamento: saímos do cuidado infantil, super protetor e dependente, para de fato construir-se num lugar de cuidado maduro, ainda compassivo, mas firme e seguro com o outro. Penso que a figura simbólica da parteira que você utilizou no aprofundamento desta posição foi também tão adequado para este momento: final de semana do dia da mães. Em termos sociais e políticos há uma discussão intensa sobre as novas configurações familiares e seus papeis, sobre o papel da maternar que não precisa ser somente de um gênero, da importância de se dispor a conhecer uma nova lógica de cuidado na saúde, enfim toda uma ampliação de conceitualização sobre cuidar. De fato uma re-significação.” Sim, Taís, concordo com você. A maternidade e a nova família em suas diversas configurações precisam vir para a pauta do dia, precisam ser discutidas. Por outro lado, a maternidade, per si, é uma prerrogativa da fêmea, assim como a doação do semen é prerrogativa do macho. Falo do ato de gerar e de parir e seus desdobramentos, no caso da mulher, na espécie humana, sobre a vida e a psique femininas.
As configurações deste domingo das mães parecem dar pano pra manga para adensar esta discussão. Eu diria que são, no mínimo, provocativas. A Lua em Aquário é a menos maternal das Luas, desejando se expressar de forma livre e desprendida, livre de responsabilidades amorosas, desapegada e distanciada. Busca maternar a humanidade e não a um filho carne da sua carne, sangue do seu sangue (estou falando de um arquétipo puro, no casa de Lua natal, obviamente essa Lua sofre a influência de aspectos e o resto do mapa também deve ser levado em consideração). Vênus em Câncer, que poderia ser super maternal e doce, está em quincunce exato a Saturno, adicionando ainda mais ambivalência a essa questão. Aliás, o quincunce natural formado por Câncer-Aquário, salientado por Lua e Vênus, aponta imediatamente para esse dilema entre maternagem e liberdade, criar vínculos ou preservar a individualidade.
O que me leva a uma reflexão sobre o peso da maternidade na nossa sociedade. Na nossa cultura as mães são endeusadas e mistificadas há séculos, postas num pedestal. Sim, devemos tudo a elas, uma vez que lhes devemos a vida. O ponto é que sendo a mãe colocada num altar, a maternidade corre o risco de se tornar um fardo enorme para essas mulheres, que são apenas pessoas comuns e humanas, sujeitas a sentir raiva, ressentimento, tristeza, desamor, a ter dias ruins, como todo mundo. Os clichês nos dizem que “ser mãe é padecer no paraíso”, que mãe é toda amor, proteção e ternura. Sempre. Enquanto não estou duvidando que o amor materno seja incondicional e incomensurável, isso me lembra que a essas mulheres não é permitido admitir suas ambivalências acerca da maternidade.
Pense comigo: ter um filho é um rito de passagem que significa uma morte. A mulher morre como filha e jamais será a mesma; sua vida livre e solta se acaba de forma definitiva porque haverá, para sempre, um ser (ou mais de um) que lhe ocupará pensamentos, tempo, atenção e por um longo tempo este ser será completamente dependente dela para absolutamente tudo. Ela não conseguirá mais sequer ir ao banheiro sozinha – momento que simboliza o cúmulo do conceito moderno de privacidade – porque um filho estará com ela a demandar sua atenção. Crianças são seres tirânicos que demandam atenção e energia em tempo integral, permanentemente. E eu tenho certeza que todas as mães, absolutamente todas, já sentiram, em algum momento de suas vidas, vontade de desaparecer, ou melhor, de fazer aquela criança desaparecer, nem que fosse momentaneamente – algumas talvez tenham tido ímpetos assassinos em alguns momentos; outras às vezes têm ataques de raiva e fúria, ressentem-se da falta de tempo e liberdade, do excesso de cobranças… E depois morrem de culpa e se sentem mães desnaturadas, mães terríveis, quando talvez tenham apenas sido humanas nas suas reações diante de criaturas extremamente exigentes que literalmente lhes sugam todas as energias. Muito disso é porque na nossa cultura não é dado à mulher reconhecer suas ambivalências, reconhecer que não importa quão infinito e incondicional o amor por aquele filho seja, em alguns dias ela gostaria de ter um tempo só para si, de não ter responsabilidades, de não ter filhos lhes puxando as saias… De voltar a ser uma filha sem maiores compromissos que não fosse o de cuidar de si mesma.
Lua em Aquário vem nos convidar a refletir sobre isso no dia das mães. Vênus em Câncer em quincunce a Saturno em Sagitário aponta para esta ambivalência de forma gritante: a responsabilidade que o amor implica, as renúncias à liberdade e o peso do compromisso com o ser amado, seja ele um filho ou o parceiro. Lua e Vênus em signos tão antagônicos também vêm nos falar do conflito entre ser mulher independente e ser mãe; do quanto sacrificam de seus desejos femininos e pessoais em função da maternidade.
Eu não sou mãe – por motivos diversos e conjunturas que não vêm ao caso mencionar aqui – e talvez, apenas talvez, jamais parirei um filho de carne e osso que saia do meu ventre. E embora eu possa dizer que não fui mãe até hoje por questões circunstanciais, essas ambivalências para mim sempre foram muito evidentes. Filho é algo para sempre, não tem retorno. Assim como o mapa natal, não dá para dizer para o divino: “olha só, não gostei, dá pra trocar?” Ou então “Deus, cansei da brincadeira, posso devolver?”. Embora a maternidade represente delícias impossíveis de serem postas em palavras e que somente a vivência é capaz de explicar, pela minha observação da vida de amigas, irmãs e outras mulheres importantes para mim, sei que ser mãe também tem suas agruras muito além das noites mal dormidas porque o filho tem dor de barriga, mas o fato é que pouco se fala disso, da ambivalência que toda mulher provavelmente sente acerca da maternidade, embora, no fim do dia, ao por o filho na cama ela perceba e sinta que faria tudo de novo para ter nos braços aquela pequena criatura, aquele pequeno tirano, que preenche tanto a sua vida de tantas maneiras. “Ser mãe é padecer no paraíso”. Sim, parece que o clichê, afinal, reflete brilhantemente a dubiedade que cerca a maternidade. Contudo, penso que nos dias atuais não se pensa muito sobre seus significados mais profundos. Infelizmente.
De novo: eu não sou mãe, não tenho autoridade nenhuma para falar disso. Estou falando a partir da minha experiência com clientes, da forma como experimentaram suas mães, das expectativas que tinham sobre elas, e de quanta confusão foi criada em função disso, de essas mulheres talvez não poderem admitir suas ambigüidades sem culpa, nem que seja apenas para elas mesmas; de não perceberem que não há nada de errado em duvidar, às vezes; que não são monstros por quererem sumir de vez em quando, por questionarem suas escolhas… Porque quando admitimos nossas dúvidas, elas deixam de ser um bicho-papão e param de nos assombrar; e então não precisamos ter rompantes de fúria cega que amedrontam todos à nossa volta, filhos ficando aterrorizados com aquela mãe terrível que abduziu sua mãe amorosa e compreensiva, tomando o seu lugar; e certas mães não precisariam atuar essa dúvida na forma extremada do abandono de recém-nascidos, ou mesmo em maus tratos absurdos infligidos a seus rebentos – sim, eu sei que a questão da violência materna não é tão simplista assim, apenas desconfio que essas mulheres atuam e manifestam energias e frustrações que não são somente delas como indivíduos, mas que pertencem a todo o coletivo. Mulheres cuja ambigüidade é maior do que o amor materno – isso me lembra a Mrs. Dalloway de Virginia Wolf. Não sei o que dizer sobre isso. Não sou mãe, não sou psicóloga nem nunca estudei o assunto a fundo – como disse, estou tecendo provocações. Mas admitir para elas mesmas seus sentimentos já é muita coisa, assim talvez percebam que o filho não tem culpa de nada. E poderão, penso eu, se responsabilizar sem tanto peso, pelas escolhas sem volta que fizeram.
Enfim, eu estava escrevendo sobre o céu do fim de semana quando tudo isso me ocorreu ao olhar Vênus-Saturno e a Lua Aquariana. Acho que as famílias seriam mais saudáveis se as mulheres pudessem admitir suas ambivalências sem tanta culpa e tanto peso. E se os filhos se lembrassem que suas mães erram, que são falíveis, que são apenas humanas e não santas perfeitas como quer nos fazer acreditar a cultura e o comércio no afã de vender mais. E se os mesmos filhos lembrassem também que, a despeito de todas as dificuldades e sacrifícios, de toda a ambivalência, admitida ou não, elas resolveram trazê-los à luz, renunciando a tanta coisa e a outras formas de vida, porque na balança do que vale a pena, elas escolheriam tê-los de novo, simplesmente porque o amor não tem explicação nem medidas, porque a maternidade tem, sim, compensações que as palavras jamais conseguirão traduzir. E lembrassem ainda que na hora do sufoco, por causa de um filho, uma mulher vira um bicho feroz e é mesmo capaz de matar, se necessário for, para defendê-lo.
Eu tive o enorme privilégio de ter duas mães. Minha mãe biológica morreu quando eu tinha quatro meses de nascida. Tinha apenas 35 anos e eu não a conheci – não tenho sequer fotografias, absolutamente nada. Mas a tenho no meu coração e a ela sou e serei profundamente grata por toda a vida, por ter escolhido me ter, a despeito da vida dura e cheia de incertezas que ela teve. Também sou profundamente grata, e sempre serei, à minha tia, que me criou como filha e que me deu tudo o que tinha, que fez tudo o que podia para eu ser o que sou. A essas mulheres simples, comuns e profundamente humanas, eu reverencio e honro. Diante delas me dobro e me curvo e lhes apresento toda a minha mais profunda gratidão!
Obrigada, Mãe! Obrigada Mães!
OBSERVAÇÃO / EDITADO:
Algumas/alguns leitoras ou leitores podem achar que carreguei nas tintas, como me apontou uma leitora na página do Facebook. Sim, é verdade que carreguei nas tintas falando de filhos tirânicos e mães que desejam desaparecer. Talvez esses sejam os extremos da polaridade, mas a sombra é mesmo uma figura de extremos. Se a cultura e a sociedade alimentam e reforçam a fantasia da super mãe e da mãe perfeita e as mulheres se cobram caber nestes modelos, no fim do espectro, para compensar, teremos sim, a imagem da Mãe Terrível e Tirânica como sombra, ameaçando irromper a qualquer momento de descuido. Portanto, quanto mais nos reconhecermos como comuns e assimilarmos e admitirmos as ambivalências, como já repeti tanto acima, menos propensos estaremos a cair presas do complexo materno da Mãe Terrível.
Achei fantástica sua análise. Remete para uma visão psicanalista sobre as “dores” da maternidade, em que a sombra do desamparo vivido na própria infância e a relação com a própria mãe vem à tona.
Obrigada Beatriz! É algo que encontro com frequencia nas consultas… E que também vejo no dia a dia das mães ao meu redor! Gratíssima pelo seu feedback! Volte sempre! 🙂
Olá Maria. Sim, voltarei sempre. Conheci seu blog tem pouquíssimo tempo, e estou circulando. Gostei muito dos textos com a temática de plutão em capricórnio e urano em aries, penso que são as pedras do meu sapato, as dores do parto daquilo que tenho q me tornar.
Bom, eu sou uma curiosa da astrologia mesmo. Desde que fiz o mapa natal, que me ajudou muitíssimo, eu venho pesquisando (de maneira leiga) um pouco mais. Não pretendo estudar astrologia, mas pretendo continuar a fazer os mapas, e conhecendo astrólogos (as) e sua perspectivas/interpretações.
Eu sou psicóloga, trabalho com a perspectiva da psicologia social. Tenho sol em gêmeos, ascendente em capricórnio e lua em peixes, além da nossa dita vênus em câncer.
Um dos detalhes, dos muitosque deixei passar na reflexão daquele comentário, e que vc alcançou neste segundo texto foi a do Feminino, pra mim feminilidades. Pq o que me provocou foi, eu não sou uma boa cozinheira, não necessariamente vou gerar filhos e casar, cito alguns elementos que ainda justificasse os códigos socioculturais para ser mulher, mas me identifico com a mulher caseira, meiga, protetiva e com aquela que também quer ser uma boa profissional, estabelecer autonomia financeira…
Com certeza não é somente esta posição que faz ao meu ver, transborda as minha possíveis feminilidades. A minha impressão é de uma reinvenção do feminino, uma ampliação, cabe as tradicionais e novas representações.
Com esse papo todo, que é muito complexo, não quero chegar a conclusões, quero ficar somente nos apontamentos deste interessante momento.
Abraço.
Taís Franciele
Ps: Gosto muitíssimo das suas ilustrações, me ajudam a sintonizar com o que é dito.
Boa viagem!
Taís Franciele
Obrigada Taís! Realmente, tomo cuidado com as ilustrações. Nem sempre consigo a imagem que busco, mas eu tento 🙂
Sua sensibilidade ao lidar com um assunto tão complexo, faz com que o texto nos oriente para um entendimento claro. Obrigada!😚
Obrigada, Celeste! Fico feliz de saber que o que escrevo reverbera de alguma maneira, que faz algum sentido para as pessoas… Paz e Luz! Gratidão! 🙂
Lindo texto! Falou diretamente ao meu coração. Gratidão por tê-lo escrito!
Obrigada a você também pela visita ao blog, Thaís! Fico feliz que tenha feito sentido para você! Volte mais vezes! 🙂