Lua Nova em Leão – Calcinar os Desejos
Começamos um novo ciclo lunar nos primeiros minutos do dia primeiro de agosto, quinta-feira, à 00h11min no horário de Brasília e às 04h11min no horário de Lisboa. É a Lua se renovando a 08°36’ de Leão, inaugurando o ciclo da alegria, da diversão, da brincadeira – brincadeira levada muito a sério!
A Lua se renova em conjunção próxima a Vênus e em quadratura – ainda mais próxima – a Urano e formando também um amplo Grande Trígono em Fogo, ao fazer trígonos a Quíron em Áries e a Júpiter em Sagitário. A conjunção a Vênus nos lembra de valorizar e valorar nossos talentos mais especiais, de assumirmos esses talentos, manifestá-los e, a partir disso, agregar mais valor à pessoa que somos, especialmente aos nossos próprios olhos. É hora de ter orgulho de si mesmo e dos próprios feitos! Contudo, a divergência com Urano nos alerta que uma parte muito rebelde da nossa alma está vigilante quanto à autenticidade da nossa criação, quanto à genuinidade da nossa expressão e do nosso próprio ser. Aquilo que somos e que criamos é realmente especial e nasce da pureza do nosso coração ou é apenas um arremedo de criatividade para agradar plateias externas e aplacar ou compensar nossas inseguranças? Nossa autenticidade é genuína ou também é uma autenticidade “fabricada” – um paradoxo em si mesmo –, com o intuito de chocar e chamar atenção pela excentricidade gratuita e descabida?
Lua, Sol e Vênus fazem trígono a Quíron em Áries, sendo que a Lua Nova já fez o aspecto e Vênus ainda vai fazer: é necessário levar em conta sofrimentos passados, inclusive da infância, pois são aprendizados e partes importantes daquilo que nos tornamos e agregam também resiliência e sabedoria. Sabedoria, aliás, é algo também disponível, em potencial, a partir do trígono a Júpiter em Sagitário, que também é aplicativo, ainda vai acontecer. Esse Grande Trígono vem nos dizer, então, para assimilarmos os sofrimentos e dores do passado como experiências indispensáveis à nossa resiliência e sabedoria e assim sermos capazes de olhar para o futuro com fé e esperança, com inspiração e confiança na nossa força e intuição. Ainda precisamos nos precaver contra alguns sonhos excessivamente utópicos, já que Júpiter ainda está retrógrado e quadrando Netuno em Peixes, também retrógrado, na casa 11 desse mapa. Precisamos considerar os limites da realidade e Saturno-Plutão em Capricórnio na casa 9 não nos deixam esquecer disso!
Mercúrio está estacionário e volta ao movimento direto 46 minutos depois da Lua Nova, ganhando grande destaque neste ciclo, ou seja, os temas dessa retrogradação de Mercúrio ainda vão reverberar pelas próximas quatro semanas, para além da zona de retrogradação. Não que isso tenha que ser, necessariamente, um problema ou algo negativo, apenas que ainda estaremos lidando com assuntos do passado, com memórias e com o expurgo de sentimentos e conteúdos sentimentais bastante densos – e ainda conteúdos relacionados aos assuntos da casa natal onde Mercúrio retrogradou neste ciclo. Este Mercúrio está regido pela Lua, duplamente lidando com memórias e com o passado e volta ao movimento direto em oposição a Plutão: é um confronto com forças sombrias da nossa psique, o medo da solidão e do ostracismo, o medo de não conseguirmos controlar nossas carências e dependências e, por causa delas, nos submetermos ao poderio externo, ao poder que outros possam ter sobre nossa mente, nossas opiniões e nossa expressão. Eu uso minha fragilidade para manter alguém cativo do meu amor? Ou me sinto controlado por essa necessidade de ter esse alguém ligado a mim, dependente de mim e de quem eu também dependo? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Essa posição de Mercúrio também dá grande ênfase à mente e à comunicação e sinaliza um tempo de movimento, de irmos adiante!
Marte está como foco de um Yod, fazendo quincôncio ao Nodo Sul/Cauda do Dragão e a Netuno, que estão em sextil. A nossa ação executiva fica um tanto desconjuntada e sem sincronia durante este ciclo, como sentar à uma mesa que tem uma perna mais curta e que não oferece nenhuma estabilidade ao tentarmos utilizá-la. A toda hora o movimento irregular interrompe nossa atividade de maneira irritante e desconfortável, de modo que a ação/atividade não flui, fica truncada e é realizada aos trancos e barrancos, com muita frustração. Ora nos sentimos inspirados e ansiosos por entrar em ação, ora estamos certos apenas da nossa incapacidade e inadequação e ainda muito cientes dos erros passados… Temos, de fato, muito pelo que lutar, muitos sonhos a sonhar e a realizar, mas antes precisamos resolver tais incongruências ou então, ao invés de comer, escrever, estudar naquela mesa, vamos perder nosso precioso tempo tentando resolver o problema da sua instabilidade e dos problemas que ocrreram muito antes cde chegarmos aqui.
É um mapa muito fixo, inflexível e há propensão a quebras, exatamente por causa da rigidez. Também há ausência de Ar: falta distanciamento e objetividade e, considerando-se todo o stelium em Leão, temos uma visão excessivamente subjetiva e afunilada das coisas e da vida – ou faz-se do nosso jeito ou não se faz nada! Leão, não podemos esquecer, é o signo das paixões inflamadas do coração e dos instintos e na Opus Alquímica nos lembra da Calcinatio, a purificação pelo fogo, a calcinação dos desejos do ego. Uma imagem alquímica impressionante e impactante é a do leão verde devorando o sol. O sol – que rege Leão – é a consciência e aqui ela é esmagada e devorada pelos desejos violentos frustrados – quando o indivíduo se torna realmente “possuído” pelo desejo e sua razão é cegada e obliterada completamente. O desejo aqui refere-se principalmente ao sexual, mas pode se aplicar também ao desejo por coisas, posses materiais (ambição cega), fama, sucesso e poder ou quaisquer outros elementos pelo qual nos tornemos obcecados.
Outra imagem da Calcinatio, que pode ser entendida como uma sequência à do leão verde devorando o Sol é aquela do leão com as patas cortadas, que simboliza o domínio da consciência sobre os desejos instintivos e inflamados, porém infantis, imaturos e narcisistas do ego. Leão é associado com as paixões e também com a vaidade e com o orgulho e isso muitas vezes puxa o tapete ou o chão de debaixo dos nossos pés, muito mais eficientemente do que fariam nossos piores inimigos. Liz Greene cita a descrição de Jung sobre o leão: “na alquimia, o leão, a ‘besta real’, é um sinônimo para Mercurius, ou, para ser mais acurado, para um estágio na sua transformação. Ele é a forma de sangue quente do monstro devorador, predatório que aparece primeiramente como o dragão… Isso é precisamente o que o leão fogoso se destina a expressar – a emocionalidade passional que precede o reconhecimento dos conteúdos inconscientes” (1). Essa referência ao dragão me lembra Smaug, o Dourado, o dragão da saga O Hobbit, de R. R. Tolkien. Smaug é um dragão que representa a avareza e a concupiscência, que rouba e se apossa de um tesouro que não é seu – talvez por não ter descoberto seu próprio tesouro pessoal, sua identidadetema do leão? Dragão e leão, a ‘besta real’, vêm nos lembrar dessas nossas paixões infantis e cegas e da necessidade de confrontarmos o infante déspota em nós, os desejos primitivos do ego e esses temas ficam bastante realçados ao longo das próximas semanas, tanto individualmente quanto coletivamente. A emocionalidade fogosa, impetuosa, mas imatura, que ao invés de nos elevar pode nos incinerar no nosso próprio egoísmo e passionalidade.
No site Emblemata, encontrei essa descrição para o tema do leão de patas cortadas: “Nós chamamos o leão o rei dos animais por causa de sua maneira magistral no mundo. Ele escaneia o ambiente para o que ele quer. Quando isso aparece, ele sai atrás, agarra-o com suas garras e o derruba, devorando-o e tornando-o seu. Tornando-o ele mesmo. Essa é uma boa imagem para a experiência a ser assimilada ao ego, que se torna mais forte e mais integrado na resposta. Isso é meu; este sou eu. Tal comportamento é altamente eficaz e nos serve bem quando estamos na escola, procurando um parceiro, estabelecendo-nos em uma carreira, engajando-nos em ativismos ou trabalhos voluntários. Todavia, há momentos em que o trabalho que precisa ser feito é interior. Em tais ocasiões, o mundo pode ser uma distração, e as funções extrovertidas não são tão úteis. Sem patas, o leão não consegue agarrar as coisas e se apropriar delas, ao invés disso, precisa sentar/estar com elas. Talvez ele fique com fome por um tempo. Ele não sai para o mundo do jeito que costumava fazer. Toda essa energia usada anteriormente na caça agora começa a ser despejada para dentro de si. (Assim) outros tipos de mudança se tornam possíveis” (2).
De fato, o tema do leão de patas cortadas é o tema de se frustrar o desejo egoico deliberadamente, voluntariamente, para se amadurecer o ego e tornar os instintos e conteúdos inconscientes, mais conscientes. E isso se torna possível quando paramos de tentar “agarrar” tudo à nossa volta, como forma de preencher esse poço sem fundo do desejo inesgotável. Sem patas, o leão precisa conter sua ‘fome’ bestial e instintiva, conter seus excessos, seu desejo imperativo de posse, ainda não maduro o suficiente.
E sim, o ciclo de Leão vem nos falar também de um período para nos permitirmos brilhar, a partir da expressão dos nossos talentos mais singulares e especiais; de descobrirmos o desejo mais profundo do nosso coração – que não necessariamente são os mesmos do ego – e expressá-los com entusiasmo, paixão e todo o calor e sinceridade da nossa alma; de prestarmos mais atenção à nossa criança interna e ouvir o que ela tem a nos contar sobre nossos sonhos e frustrações, mas também como podemos ter mais leveza e espontaneidade. Porém, é um ciclo em que precisamos ficar vigilantes quanto à natureza das nossas paixões e desejos: além de dizerem muito sobre nós, não necessariamente precisamos saciá-los todos, se for para amadurecermos um pouco mais. Leão anseia profundamente pelo reconhecimento dos seus pares, pelo aplauso da audiência como confirmação do prestígio, da honra e do reconhecimento público do seu ser especial. Porém, o Leão não pode nunca esquecer que “o auto respeito é fruto (também) da disciplina. O senso de dignidade cresce com a capacidade de dizer para si: não” (Abraham Joshua Heschel). Embora essa citação seja de um homem fortemente Capricorniano, ele também tinha o Nodo Norte em Leão e esta frase traduz a necessidade do Leão de voluntariamente decepar as próprias patas, desejosas de tudo agarrar, uma forma simbólica de dominar suas paixões.
Mundanamente, o Sol e Lua estão na casa 4 do mapa levantado para Brasília, enquanto Urano está no Ascendente: há mais medidas drásticas e chocantes vindo por aí, porém, não importa o quanto se endureçam as leis, o quanto se tente regular o olhar, o ouvir e o falar – Saturno, Plutão e Nodo Sul em Capricórnio na casa 9 –, o “rei está nu” e todos podem ver, mesmo que ele tente se camuflar. Na calada da noite, ocultados – Lua e Sol no Fundo do Céu – os poderes se ordenam e tramam, mas ao mesmo tempo, se traem, através de imprevistos ou simplesmente porque “podem” fazer o quê e como quiserem, à revelia do reino e dos governados. O Sol em Leão quadrando Urano, quando negativo, pode se manifestar como o poder arrogante, autoritário e arbitrário. Déspota. Touro no Ascendente fala de conservadorismo, particularmente porque Vênus, a regente, está em Leão, também no Fundo do Céu, também quadrando Urano – inflexível. Na 4 temos um saudosismo do passado, particularmente com Vênus, que nos fala de uma “época de ouro”. É um ciclo de muita rigidez, de enaltecimento das hierarquias, do conservadorismo e da tradição. Os nacionalismos podem ficar exacerbados, mas as oposições também se levantam! Os setores agros (agricultura, pecuária, todos os produtos “da terra”), da construção civil e imobiliário também podem se inflamar bastante neste ciclo. E o tema de cortar as patas do leão também se aplica ao âmbito/mundano/político/governamental… Liz Greene (1) fala também sobre o mito de Hércules e o Leão de Neméia: “Hércules e o leão, sem dúvida, foram imaginados de acordo com o antigo padrão do homem combatendo a besta, porém esse herói veste a pele do animal que matou. Dessa forma ele se torna semelhante ao leão, mas as paixões inflamadas estão agora contidas. Não se pode imaginá-lo vestindo a casca do caranguejo, distanciado demais da vida humana. O emblema da realeza, no sentido mais profundo, está associado a essa capacidade de lutar com as paixões. O homem que é incapaz de conter seus impulsos belicosos não pode governar os outros nem servir-lhes de exemplo” – fica a dica para nossos governantes!
Vamos assistir aos desdobramentos…
O Símbolo Sabiano para o grau 9 de Leão (08°36’) traz a imagem de “Sopradores de vidro criam formas bonitas com sua respiração controlada”.
O que separa a arte do artesanato é que o artesanato procura criar coisas funcionais que também sejam bonitas e singulares; a arte não tem uma ‘utilidade’ prática, no sentido da funcionalidade. Soprador de vidro é um ofício que demanda, ao mesmo tempo, controle e sutileza, pois a partir do controle da sua respiração moldam belas formas no vidro, que podem se tornar arte ou uma obra singular do artesão. Eles têm que ser artesãos de sua arte para poder fazer as formas “Belas”. “Quando os ‘sopradores de vidro’ venezianos cometem um erro ao criar garrafas finas, chamaram-nos de fiasco; ‘Sua Respiração Controlada’ pode ser quase como uma meditação, com cada ‘Respiração’, cada movimento sendo importante para o resultado final” (2).
Linda Hill, astróloga estudiosa dos Símbolos Sabianos nos diz que “este símbolo é sobre a compreensão do fluxo espiritual envolvido na criatividade. É também sobre as coisas maravilhosas que podem ser feitas quando se tem uma grande compreensão do que se quer alcançar. Também pode significar as coisas que podemos deixar para trás que simbolizam ou agem como lembretes de momentos significativos de nossas vidas. Essas memórias são frágeis e dependem de quão bem elas são cuidadas. Suas energias espirituais internas podem moldar sua situação em algo que vale a pena agora. É somente com o uso controlado dessas energias que você será capaz de criar esta situação corretamente. É importante, no entanto, que você deixe de lado qualquer receio de que aquilo que você faz possa não durar. É o ato de criar algo bonito, do coração e da alma, que é o ponto de nossa participação na vida. Tenha cuidado para não deixar sua imaginação sair do controle; a mente pode ser responsável por distorcer a realidade para encaixar nossos pensamentos. Conectar-se com as profundezas desconhecidas da experiência inconsciente muitas vezes dependente do controle da ‘respiração’. Praticar meditações respiratórias e aprender sobre o controle do diafragma pode levar toda a existência a um novo nível do ser. Prestar atenção ao que você respira da vida pode ser muito esclarecedor. Concentre-se no que você está criando com sua vida. Você está ‘moldando belas formas’ com suas criações?” (3).
Este símbolo, portanto, vem falar da importância de nos envolvermos total e completamente com a nossa criação, se for para ela ser genuína e carregar o nosso intento em si. E mais uma vez, há a necessidade do controle sutil e da delicadeza para que façamos uma obra de arte imbuída de espírito e sentido e não apenas uma peça grosseira e feita às pressas. A importância de colocarmos nossa alma e nosso coração, todo o nosso ser naquilo que estamos realizando, para que o trabalho saia do lugar comum, da produção em série e se torne uma obra-prima. A grande obra de Leão é ele mesmo, é o ato da autocriação.
Dane Rudhyar, também grande estudioso dos Símbolos Sabianos nos diz que a ideia básica deste símbolo é a “intensidade criativa”, ou “a necessidade de envolver as energias mais espirituais e vitais da pessoa no ato criativo se for para produzir novas formas significativas e belas”. Portanto, este é um ciclo em que preciso usar a nossa respiração de forma magistral, para intensificar nossa capacidade criativa e a nossa criação.
Concluindo, é um ciclo de muitas paixões, de um fogo impetuoso e voluntarioso, que pode e deve ser usado com maestria, para criarmos belas formas, literal ou figurativamente, a partir do domínio do coração e da alma sábia sobre as paixões do ego infantil. É importante acharmos tempo também para a diversão e a legria – que tal levar sua criança ao parque de diversões? – permitir-nos viver intensamente, com prazer, fé e entusiasmo!
Feliz Lua Nova e um ótimo novo ciclo para você
(1) – GREENE, Liz – A Astrologia do Destino
(2) – Emblemata –
https://intelligentlittlebooks.me/emblem-028-lion-with-his-paws-cut-off/
(3) – HILL, Linda – 500 Degrees of Wisdom
(4) – RUDHYAR, Dane – Uma Mandala Astrológica