Lua Nova em Sagitário: Abrace e aceite suas ambivalências!
A Lua Nova em Sagitário de hoje (2 de dezembro de 2013, 22:22, Horário Brasileiro de Verão, Brasília), vem nos convidar a ter fé, mesmo vendo todas as mazelas, dor e sofrimento, em nós mesmos e no mundo ao nosso redor. Não seria o caso de ter fé apesar de, mas por causa de.
A Lua Nova ocorre a 10°59’ de Sagitário, o signo da intuição, das grandes visões e da busca de sentido. O signo do otimismo e do riso largo e solto, que nascem da infinita fé na vida e na natureza divina e magnânima das pessoas.
Mas essa Lua Nova tem uma atmosfera completamente dual. Para começar, Sagitário é intrinsecamente um signo de natureza dual, simbolizada por um dos seus principais arquétipos, o centauro, um ser mítico metade humano metade cavalo. Um dos dilemas básicos deste signo é a dicotomia corpo e espírito, um dos dilemas mais arcaicos e profundos da natureza humana, eternamente dividida entre o lado instintivo e primitivo, simbolizado pelo corpo e sua falibilidade, e a centelha divina que aspira às alturas e ao reino onde tudo é possível, o reino do espírito. O tema do centauro de natureza dual é enfatizado aqui porque a Lua Nova ocorre em quadratura, um aspecto tenso, com Quíron, o centauro símbolo do signo e porque também há um trígono (aspecto harmônico), com Urano em Áries – Urano também partilha dessa dicotomia entre o ideal de perfeição e a realidade dura e fria.
Os centauros eram criaturas primitivas, toscas, bestiais, mas Quíron era um centauro diferente. Era filho de Cronos-Saturno com a ninfa Filira. Era profundamente sábio, um grande professor, criado por Apolo, que lhe ensinou as artes, a música, a ética, a filosofia, as artes divinatórias e proféticas, além das terapias curativas. Tornou-se grande conhecedor de ervas e remédios e um curador potente, a quem os jovens gregos eram enviados para serem ensinados e treinados em todas as artes importantes da época. Entre seus pupilos famosos figuram Aquiles, o grande lutador e Asclépio ou Esculápio, o deus grego da medicina e da cura. Quíron, pela sua própia natureza de Centauro, já era uma criatura dividida: por causa de sua metade animal, não se sentia completamente à vontade entre os homens, apesar de sua índole benigna e de toda a sua educação e erudição; e não ficava confortável também entre seus irmãos centauros, criaturas grosseiras, toscas e rudes, muito diferentes do que ele mesmo era.
A estória de Quíron torna-se mais triste e trágica quando ele fere acidentalmente a perna ou o joelho numa das flechas que Hércules havia embebido no veneno letal da Hidra de Lerna, monstro que havia vencido numa de suas 12 tarefas. Ora, Quíron como filho de Cronos-Saturno, era imortal, não deveria morrer. Porém, o veneno da hidra era letal e causava morte instantânea. Assim, criou-se um dilema sem solução e Quíron foi condenado a viver com uma ferida horrenda, que não sarava nunca cuja dor era permanente e excruciante. A ironia das ironias é que sendo ele um exímio e poderoso curador, não podia curar a si mesmo. Quíron recolheu-se então à sua caverna, tentando apaziguar sua dor na quietude e no isolamento. Seu sofrimento finalmente acaba quando ele é trocado por Prometeu (um dos mitos associados a Urano e Aquário), que havia sido acorrentado no Tártaro como punição por ter roubado o fogo dos deuses. Hades-Plutão só abriria mão da alma de Prometeu se outra lhe fosse dada, pois não era possível sair do Tártaro impune. Assim, não agüentando mais o sofrimento infinito, a troca foi feita e Quíron pôde finalmente descansar.
É emblemático o fato de ele ter se ferido na sua metade animal, no seu lado mais instintivo e primitivo, simbolizando com isso a “armadilha” que o corpo, falho e limitado, representa para Sagitário. Liz Greene diz que não é por acaso também que ele seja ferido exatamente na perna, sendo as pernas aquilo que nos sustentam no mundo material, que representam a realidade física. Ela diz “minha impressão é que esta tristeza e essa ferida são partes integrantes de Sagitário, formam um tipo de depressão ou desespero sob a superfície clara e otimista do signo”. Sagitário vive essa constante dualidade: “Zeus cria raios e trovões nos céus e não há signo mais positivo ou resiliente. Mas escondido na caverna está o sofredor Centauro, que pode curar e dar sábios e proféticos conselhos para a doença de todos os homens, exceto para a sua própria, e que é envenenado pela colisão entre sua natureza benigna e a escuridão e veneno do mundo” (1). Exatamente por causa sua natureza dual, Sagitário é capaz de oferecer esperança e fé aos homens, e não apesar dela.
Em Astrologia, Quíron simboliza a ferida humana que não sara nunca. A intuição das infinitas possibilidades de sermos perfeitos e divinos, de alcançarmos e realizarmos nossas melhores potencialidades, versus o senso de desespero diante das vilanias humanas, da natureza falha e corrupta, demasiado primitiva, demasiado instintiva, demasiado humana. O lado da nossa natureza que nunca superamos, que nunca somos capazes de curar, que podemos apenas aceitar. Quíron simboliza também em que área de vida nos sentimos forasteiros, estrangeiros em nossa própria terra. Onde nos sentimos inadequados, onde nos sentimos párias, incapazes de nos enturmar e nos encontrar nos grupos sociais. O sentimento de cura vem de forma indireta, vem da ajuda que oferecemos aos outros, porque quando aceitamos e temos compaixão pelas fraquezas do outro, indiretamente redimimos nossas próprias feridas, nossa própria natureza. Quando aceitamos o outro com suas peculiaridades e estranhezas, dando-lhe o direito de ser quem é, como é, ficamos em paz com nossas próprias idiossincrasias. É sabido, já há muito tempo, que as pessoas mais intolerantes, mais preconceituosas, são as que têm mais dificuldade de aceitar suas próprias limitações. O outro, como sempre funciona como espelho e muro de projeção.
Urano em Áries também manda um recado com essa Lua Nova: para que acordemos para a necessidade de acolher em nós nossa originalidade e inventividade, ao invés de refutá-la para caber nas normas aceitas.
Há ainda um terceiro elemento de dualidade: Júpiter, o regente dessa Lua Nova Sagitariana, está em Câncer, unido a Lilith, a primeira mulher criada, que precedeu Eva, mas que era tão rebelde e dona de si que o Senhor Deus a mandou embora, criando depois Eva. Lilith vaga pelos desertos, companheira de demônios vários. Lilith é um símbolo de escuridão e ambigüidade, realçando mais uma vez a ambivalência dessa Lua Nova, a princípio tão luminosa e otimista, mas de um fundo sombrio e falível.
Colocando tudo isso junto, a Lua Nova quadrando Quíron vem nos alertar para a necessidade de nos responsabilizarmos por nossas mazelas, de nos assumirmos como humanos falhos, e exatamente por isso, dignos de amor e compaixão. Quíron vem nos alertar para pararmos de andar por aí reclamando de nossas faltas, na linha do “ó céus, ó vida, ó azar!”. Para pararmos de culpar mamãe e papai, a família, o parceiro, os amigos ou quem quer que seja por tudo que não temos ou não somos capazes de ser, ou seja, pela nossa própria infelicidade, criada por nós mesmos, na nossa fome incurável e na compulsão de querer sempre mais e mais. Vem nos pedir que lidemos com nosso senso de inadequação, de insegurança, que assumamos nossas ambigüidades e ambivalências, que aceitemos nossa natureza dual, sombria, humana e falha, pois só assim teremos chances de transformá-la tornando-nos a melhor versão de nós mesmos, aquela que vislumbramos com a intuição aguçada do arqueiro. Sem hipocrisias, sem descambar na mania eufórica que tenta camuflar a qualquer custo o desespero niilista, mas buscando o sentido das coisas com paciência, aceitando e vivendo cada estágio conforme ele se apresenta.
Somente assim, depois de lidar com Urano, Quíron e Lilith, podemos alcançar a dádiva Sagitariana Maior: a fé inabalável na centelha divina, presente em cada um, a despeito de sua natureza dual e humana. Somente assim, teremos acesso ao riso largo e solto do arqueiro, sempre apontando sua seta para os altos céus das mais ricas possibilidades; somente assim conseguiremos encontrar algum sentido na loucura e no caos aparente da vida humana e das nossas relações tão frágeis e tão fundamentais à nossa sanidade e funcionamento nesta vida.
E como Lua Nova é tempo de inícios e recomeços, inauguremos então um período novo de fé e esperança. Não uma fé cega e ingênua, que ignora os abismos escuros da alma, mas uma fé consciente, íntegra, que faz perguntas e abraça a ambivalência como parte de si mesmo. Apontemos nossas flechas para o alto e miremos grande, almejando nosso melhor!
1 – Liz Greene – A Astrologia do Destino
Texto incrível! Obrigado! 😉
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