Voltamos a Sonhar!

Interpretação psicológica dos sonhos 

A Cigana Adormecida – Henri Rosseau, 1897 – Wikimedia Commons

No relançamento deste site, um dos projetos que estou retomando é a coluna sobre sonhos, que eu tinha começado lá em 2015, mas que, por vários motivos, não consegui dar continuidade. É um tema fascinante, útil e prazeroso de discutir e eu espero que você goste também. Vou reaproveitar o texto base inicial que eu tinha postado, editado para este momento presente.

Há muitas fontes literárias – inclusive de autores freudianos, junguianos e de outras linhas psicológicas – sobre a interpretação psicológica dos sonhos, mas quando se trata de estudar temas e imagens específicas, já é mais difícil, porque não é fácil achar bons compêndios sobre o assunto, uma vez que a maioria dos dicionários de sonhos que encontramos dedicada à interpretação mais popular dos sonhos, incluindo até associações com o jogo do bicho. O mesmo se aplica às fontes na internet: há poucos sites que tratem do assunto com a seriedade que merece, por isso a proposta é trabalhar não só o estudo dos sonhos em si, mas também a interpretação genérica dos símbolos universais, que são assim chamados porque aparecem em todas as culturas, em todas as eras e estão ligados aos mitos, aos arquétipos, aos ritos de passagem e aos ciclos de desenvolvimento do indivíduo.

O Sonho - Obra Prima Estudio
A Sonhadora – Pablo Picasso, 1932 – Wikimedia Commons

Digo genérica porque o contexto do sonho sempre precisa ser levado em conta para que se faça uma interpretação adequada, ou pelo menos razoável dos símbolos que se apresentam em cada viagem onírica. Mais importante ainda, o sonhador é a peça fundamental e seu contexto histórico, situação familiar, social, afetiva etc., são essenciais para se entender o que o sonho traz. Jung dizia que “todo sonho é tão individual que não pode haver interpretação sistemática do sonho. Todo sonho tem que ser observado junto com o sonhador porque este tem percepções que são negadas à mente consciente”. Em última instancia, o sonhador é sempre mais importante do que o sonho, dizia ele. De qualquer forma, embora cada sonho seja único, como único é cada sonhador, tentarei trazer uma interpretação básica que norteie a análise dos símbolos e arquétipos surgidos na linguagem onírica.

Mas, afinal, o que são os sonhos? De onde vêm?

Constantino, o Grande e o Cristianismo
O Sonho de Constantino – Manuscrito bizantino do século XIX. Galeria Nacional da França – Wikimedia Commons

Os sonhos são uma linguagem fantástica através da qual o inconsciente se comunica conosco. Sempre foram tidos e recebidos com assombro, qualidade comum a todas as coisas numinosas e inexplicáveis. “Desde as mais remotas épocas os homens procuram entender as mensagens ou significados dessas coisas intrigantes, misteriosas e fascinantes que são os sonhos. O que tem variado, ao longo do tempo, é a importância atribuída e a compreensão que se tem deles. Se os sonhos são vistos como séries de imagens que parecem sem sentido, resíduos de memória ativadas (ideia comum na neurologia); se têm um sentido para a personalidade do sonhador (conceito da psicologia), ou se são encarados como mensagens místicas, isso demonstra apenas diferentes interpretações, as quais refletem o status ou valorização dados a eles” (1). Outra coisa maravilhosa sobre os sonhos é que eles são completamente democráticos, ou seja, todos sonhamos e isso é parte da experiência básica de estarmos vivos, independentemente de gênero, raça, origens, classe social ou mesmo espécie – porque sim, até os animais sonham!

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Figura 4 – O Sonho de São José – Stefano Maria Legnani, 1798 – Wikimedia Commons

Na antiguidade os sonhos eram tidos geralmente como premonitórios e causavam medo e terror. Muitas culturas utilizavam os sonhos como mensagens oraculares que traziam avisos de bons ou maus augúrios. A própria Bíblia utiliza os sonhos extensivamente em praticamente todos os seus livros, que cobrem um período de muitos séculos. Os egípcios lhes creditavam grande força e poderes ocultos, reveladores da vontade dos deuses. Durante os sonhos se podia, inclusive, contactar os mortos. A técnica de interpretação dos sonhos era, porém, bastante complexa e demandava treino extensivo e laborioso, o que se assemelhava a um tipo de sacerdócio. “’Os Escribas da Casa da Vida’, como eram chamados os intérpretes, viviam em santuários que se tornaram famosos como templos de incubação” (1). Deste modo, os egípcios teriam criado a primeira forma organizada de interpretação de sonhos, porém teriam sido os gregos – que acreditavam que a alma vagava durante o sono – que teriam burilado essas técnicas, chegando a um alto grau de refinamento e sofisticação, técnicas que eram empregadas por Esculápio, o deus solar da saúde, tanto no diagnóstico quanto no tratamento de doenças.

“No decorrer dos séculos os sonhos têm sido associados com a paranormalidade e à ocorrência de abandono do corpo, visita de um íncubo ou previsão de acontecimentos futuros. São Jerônimo disse que interpretar os sonhos era o mesmo que feitiçaria, e, por dois séculos, a prática foi proibida pela Igreja Cristã”, dizem os autores Maeve Ennis e Jennifer Parker no livro Fique por Dentro dos seus Sonhos (2). “Essas tradições e curiosidades sobre a vida onírica sempre estiveram presentes nas mais diferentes culturas ao longo da história, com maior ou menor ênfase, dependendo do período”, afirmam eles.

Reproduções De Belas Artes | A escada de Jacob, 1806 por William Blake  (1757-1827, United Kingdom) | WahooArt.com
A Escada de Jacó, William Blake, 1806 – Museu Britânico, Londres – Wikimedia Commons – A Escada de Jacó é um tema famoso, sobre um sonho de Jacó, descrito no Gênesis, em que ele vê uma escada que os anjos usam para subir e descer do céu.

De lá para cá a forma como vemos os sonhos evoluiu, conforme evoluímos nós também. A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud foi um dos passos decisivos da ciência na direção de um melhor entendimento, e porque não dizer, “aproveitamento” da linguagem onírica. Revolucionou não só a Psicologia, mas toda uma forma de se lidar com este universo. Para Freud, os sonhos revelam desejos reprimidos que o inconsciente busca realizar. Já Jung foi além e dizia que “não se sonha, se é sonhado. Nós passamos pelo sonho, somos seus objetos”. Carl Jung jogou mais luz ainda sobre a interpretação e uso dos sonhos na psicologia e práticas terapêuticas, descortinando um mundo novo e muitas possibilidades de entendimento da alma humana e do inconsciente. A diferença principal entre Freud e Jung no que tange aos sonhos é que Jung dizia que os sonhos eram criações não só do inconsciente pessoal, mas também do inconsciente familiar e coletivo. Jung também acreditava que sonhamos continuamente, mesmo quando estamos despertos, “porém a consciência faz tanto ruído que não os escutamos” (2).

Hoje em dia os sonhos ainda são vistos com muita crendice e superstição por muita gente. Muitas pessoas os utilizam para tentar a sorte em jogos de azar – e muita se dão bem! –, outras tantas têm sonhos premonitórios fabulosos e terríveis, mas o fato é que parece que precisamos tanto do sonho quanto do sono e, como já dito acima, todo mundo sonha, mesmo pessoas que dizem que não – na verdade elas apenas não se lembram deles, talvez, diria a psicanálise, como um mecanismo de defesa do ego contra as forças inconscientes.

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Wikimedia Commons

Uma curiosidade fisiológica que deixa clara a importância dos sonhos é que eles “acontecem cerca de quatro a cinco vezes durante a noite. No transcorrer de uma vida média passamos cerca de um terço de nossas vidas dormindo e aproximadamente cinco anos sonhando!” (2). Por essas e outras deveríamos dar grande importância às suas imagens e conteúdos maravilhosos, pois os sonhos são uma linguagem fundamental da Psique, que os utiliza para se expressar e processar a transmutação de conteúdos do inconsciente para o consciente e vice e versa.

Os 10 melhores aviões soviéticos da Segunda Guerra - Russia Beyond BR
Reprodução

Pessoalmente, o primeiro sonho de que me lembro remonta à minha infância, acho que tinha seis ou sete anos de idade – era um sonho sobre um avião caindo, como aqueles aviões bimotores da Segunda Guerra Mundial e ao fundo tinha uma melodia repetitiva, que quando acordei, percebi vir do rádio à pilha que estava ligado na cozinha. Jamais esqueci, nem do sonho nem daquela melodia. Há outros sonhos de imagens fortes dos quais também nunca me esqueci. Na adolescência, intuitivamente, comecei a anotar alguns deles e percebi que instintivamente sabia o que queriam me dizer, que mensagens estavam trazendo. Assim, com o tempo fui aprofundando esse relacionamento com o mundo onírico. Tenho muitos cadernos de décadas de sonhos anotados e analisados, na terapia ou fora dela. De tudo o que experimentei até aqui, afirmo e recomendo: vale a pena estabelecer uma relação com esse universo fascinante e misterioso que se descortina para nós todas as noites enquanto dormimos.

E para você, o que são os sonhos? Você consegue se lembrar dos seus? Há algum sonho recorrente que fica indo e vindo? Os sonhos recorrentes dão excelentes pistas sobre temas centrais de vida e não devem ser ignorados.

No próximo artigo traremos o primeiro tema, a ÁGUA, o mais universal de todos os temas oníricos. Quando sonhamos com ÁGUA é o inconsciente falando de si mesmo, porque a água é símbolo do próprio inconsciente, então, é como uma metalinguagem. A Água nos sonhos está associada na Astrologia com fortes trânsitos de Netuno ou progressões da Lua por signos aquáticos. Mas falaremos mais sobre isso no próximo artigo desta coluna.

Praticidades: 

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Wikimedia Commons – Reprodução

Caso você realmente tenha interesse em trabalhar com os seus sonhos, é necessário se comprometer com eles. Para isso, compre um bom caderno, de preferência bonito e bem-feito, que demonstre seu investimento e engajamento e deixe-o na cabeceira da cama, juntamente com uma caneta. Ao acordar, pela manhã, antes de abrir os olhos e de fazer qualquer movimento, tente se lembrar do que estava sonhando e guarde isso na memória, mantendo as imagens diante de si antes de se levantar. Digo isso porque, tão logo nos movemos para o lado ou abrimos os olhos, aquele sonho nítido e maravilhoso tende a ter suas imagens dissolvidas pela claridade do dia. E ficamos frustrados com a imagem dissipada que revelavam tanto e que traziam uma sensação numinosa e muitas vezes sagrada.

File:Childhood's happy hours dreams of Libby McNeill & Libby's Cooked Corned Beef (front).jpg
Os sonhos das horas felizes da infância com Libby McNeill & Libby’s Cooked Corned Beef – Wikimedia Commons

No começo, talvez você não se lembre de nada, ou somente de fragmentos, mas anote mesmo assim, porque o hábito estabelecerá a conexão. É como ganhar a confiança de alguém, um pouquinho de cada vez. Aqui estamos tentando ganhar a confiança do Inconsciente e se não demonstrarmos comprometimento, não lembraremos mesmo. Anote uma vez e mais outra e você perceberá que conforme escreve uma segunda ou terceira vez, os detalhes se mostram mais nítidos. Tente fazer associações sobre essas imagens. O que elas lhe recordam? Você arriscaria um palpite sobre do que se tratam? Quando já tiver estabelecido o hábito de escrever, folheie o caderno antes de dormir e releia seus sonhos, para predispor-se a lembrar deles no dia seguinte. Importante: mesmo que não consiga anotar os sonhos todos os dias, é primordial que você ache tempo para fazê-lo periodicamente, pelo menos uma vez por semana. Com o desenvolvimento desse processo, você pode investir em literatura de qualidade que lhe ajude a entender ainda mais esse universo. Junto com os artigos darei sugestões de títulos que valem a pena. Agora é só sonhar e se engajar com os seus sonhos!

A periodicidade dos textos sobre sonhos será quinzenal, a princípio. Advirto ao leitor, como já disse acima, que não sou psicóloga e que embora minha proposta seja pesquisar de forma aprofundada cada símbolo e imagem trazidos aqui, essa interpretação não deverá ser levada ao pé da letra, caso o leitor se veja sonhando com estes temas, uma vez que, como já disse, o contexto do sonho e da vida da pessoa devem ser sempre levados em consideração. Tendo dito isso, convido você a interagir e sugerir temas de sonhos para pesquisarmos e estudarmos juntos. Minha biblioteca sobre o assunto também não é muito vasta, então, quem tiver bons títulos para sugerir, por favor, faça-o, serão muito bem-vindos!

No próximo artigo, vamos falarr sobre a Água como tema onírico!

Fontes Pesquisadas:

(1) GALLBACH, Marion Rauscher – Aprendendo com os sonhos – Coleção Eros e Psique – Ed. Paulus

(2) ENNIS, Mauve + PARKER, Jennifer – Fique por dentro dos seus sonhos – Cosac & Naify

mariaeunicesousa

Maria Eunice Sousa é astróloga de orientação psicológica, formada pelo Centro de Astrologia Psicológica de Londres, fundado e dirigido por Liz Greene. Mora em Cuiabá, onde atende com Astrologia, trabalhando também como tradutora e intérprete (Inglês-Português). Além de Mapa Natal e Revolução Solar, também atende com Astrocartografia e Espaço Local (formada pelo Kepler College), Mapa Infantil, Mapa de Relacionamento e Mapa Vocacional.

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